Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
19 de Abril de 2024

Militarismo x liberdade de pensamento e expressão nas redes sociais

Deter jovens por fazer críticas à Polícia Militar no Facebook é mais do que abuso de autoridade. É violação clara de um direito fundamental.

Publicado por Cleide Azevedo
há 8 anos

Por Natasha Cruz*

Militarismo x liberdade de pensamento e expresso nas redes sociais

Jovem que criticou PM de Pedregulho (SP) nas redes sociais foi algemado até a delegacia (foto: divulgação)

Antes de iniciar a leitura desse artigo, é muito importante que você tente se lembrar se já publicou, em alguma rede social, uma crítica à Polícia Militar da sua cidade. Digamos que você foi assaltado e postou em sua timelineque não havia segurança no local e que a polícia não estava fazendo um bom trabalho. Assim, genericamente mesmo. Já fez isso ou coisa parecida?

Pois você poderia ter sido detido! Detido e autuado por desacato à autoridade. Além, é claro, de receber uma visita da PM em sua casa, ser algemado e conduzido – na parte de trás da viatura –, à delegacia.

Não se impressione. Foi exatamente isso o que aconteceu na semana passada no município de Itatira, interior do Ceará, e em Pedregulho, em São Paulo, onde a Polícia Militar apreendeu, respectivamente, um adolescente de 17 anos e um jovem de 19 anos. Ambos haviam publicado em suas páginas no Facebook críticas genéricas à PM.

O primeiro escreveu, depois de saber de um assalto a um banco na cidade: “Pra pegar os filhos dos outros e bater na cara e outras coisas eles são bons. Aí chega o crime organizado aqui e leva um banco, e os PMs sumiram, cadê? Correu.” O segundo postou: “Aqui em Itatira os roubos acontecem e a polícia não faz nada, e quando faz é para ajudar bandido”. Ambos foram levados pela PM e tiveram suas mensagens virtuais registradas como desacato.

O caso revela a banalização da acusação deste crime e sua utilização como forma de intimidação e silenciamento, numa demonstração clássica de abuso de autoridade policial. Vale lembrar ainda que o desacato pode ser praticado contra uma autoridade (pessoa identificada) e não contra uma instituição.

Previsto no artigo 331 do Código Penal, o crime de desacato é recorrentemente questionado por sua incompatibilidade com as liberdades democráticas. Tal tipificação penal viola, por exemplo, o artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos, que assegura a liberdade de pensamento e de expressão, e o artigo 5º, inciso IV, da nossaConstituição Federal, que garante o direito à livre manifestação de pensamento.

Em 1995, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos afirmou que o desacato é incompatível com as democracias porque impede que autoridades públicas estejam sujeitas ao controle público. Ou estará a atividade de agentes públicos imune a uma simples crítica e à livre manifestação de ideias?

A lógica do inimigo

Respeitar a liberdade de expressão não parece ser mesmo o forte da Polícia Militar. Todos conhecemos sua eficiência da PM em limitá-la, seja por meio da repressão policial a manifestações públicas, das esdrúxulas detenções justificadas por desacato ou ainda da barbárie cotidiana das execuções sumárias nas periferias, que varre do mapa muita gente que “fala mais do que deve”. Mas o que leva a PM brasileira a ser a força policial que mais mata no mundo e uma das mais violadores de direitos humanos?

Por óbvio não temos a pretensão de imergir com profundidade nessa reflexão nesse blog. Mas um aspecto central desse cenário advém da lógica militarista da PM, que forma seus agentes (públicos) para uma guerra na qual os “inimigos” devem ser silenciados. Não bastassem as incontáveis limitações que o cidadão comum enfrenta para se expressar nosespaços públicos, no caso desses jovens não lhes restou nem a expressão no mundo virtual. O silenciamento foi, de fato, bater na porta de suas casas.

Daí a urgência de repudiarmos tamanho abuso e de defendermos a liberdade de expressão como direito fundamental, de reivindicarmos políticas públicas que garantam a todas e todos este direito. Metade da população brasileira sequer tem acesso regular à internet. Pense agora nas dificuldades que a maioria do povo brasileiro tem para se manifestar livremente. E se você for você for mulher, negra, pobre, lésbica e morar no norte do País? E se for um jovem de uma cidade do interior do estado?

O caso dos jovens de Itatira e Pedregulho, vítimas de abuso de autoridade, não pode ser para nós menos do que uma convocatória para defesa do direito à livre expressão, daampliação de mecanismos de participação e controle social de instâncias do Estado e, evidentemente, da exclusão do crime de desacato do ordenamento jurídico brasileiro.

*Natasha Cruz é jornalista, assessora de comunicação do CEDECA Ceará (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente) e integrante do Intervozes.

Fonte: Carta Capital

  • Publicações532
  • Seguidores44
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações197
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/militarismo-x-liberdade-de-pensamento-e-expressao-nas-redes-sociais/358343721

6 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)

Complementando de novo, criticar a PM pode? outros poderes não pode??
O Supremo Tribunal Federal (STF) enviou ofício ao diretor-geral da Polícia Federal (PF), Leandro Daiello, pedindo providências contra os responsáveis por levar dois bonecos infláveis a uma manifestação em São Paulo. Os bonecos representavam o presidente da corte, Ricardo Lewandowski, e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, associando-os ao PT. O de Lewandowski foi apelidado de Petralovski. O de Janot ganhou o nome de Enganô Segundo o STF, o caso representa "grave ameaça à ordem pública e inaceitável atentado à credibilidade" do Judiciário. Pede ainda que a PF atue nas redes sociais, uma vez que o endereço residencial do presidente do STF foi amplamente divulgado. “Tais condutas no entender desta Secretaria, que atua no estrito exercício de suas atribuições funcionais, representaram grave ameaça à ordem pública e inaceitável atentado à credibilidade de uma das principais instituições que dão suporte ao Estado Democrático de Direito, qual seja, o Poder Judiciário, com o potencial de colocar em risco - sobretudo se forem reiteradas - o seu regular funcionamento. Configuram, ademais, intolerável atentado à honra do chefe desse poder e, em consequência, à própria dignidade da Justiça Brasileira, extrapolando, em muito, a liberdade de expressão que o texto constitucional garante a todos os cidadãos, quando mais não seja, por consubstanciarem, em tese, incitação à prática de crimes e à insubordinação em face de duas das mais altas autoridades do País", diz trecho do ofício.

me explica?? continuar lendo

"..pegar os filhos dos outros e bater na cara e outras coisas eles são bons.."
Interessante essa de "filhos dos outros", olha a impunidade paternalista aí se apoiando na vantagem da ausência da maioridade. E como sempre, surge uma enorme lacuna sobre os motivos ocultando os sagrados e omissos feitos dos anjinhos vitimados.
Não, eu não sei o que os "filhos dos outros" fizeram, nem tem como., afinal só se informou o que a PM fez, não é ? continuar lendo

Sinto dizer que se os pais ensinassem seus filhos o conceito de respeito ao próximo não precisariamos de policia e nem de punições. Vivendo em uma sociedade hipócrita que se discrimina por ser pobre, favelado, homo afetivo, assim vai mais um monte de idiotices que são lançados na mídia por pessoas que desejam o holofote e se elegerem mais adiante. continuar lendo

Sou Policial e me senti ofendido por criticarem os colegas e a instituição em que trabalho! e os advogados? e os jornalistas? que já destruíram famílias ao publicarem algo que não averiguaram a realidade dos fatos! Eu nunca posso criticar algo se eu não estou no local, só pelo "diz que me disse", "me contaram que é verdade", será?, É por isso que nosso mundo está assim! os pais não seguram os filhos, que na escola o professor que deveria educar os alunos ou a polícia que deveria prender o aluno que destruiu a escola! Quem é o culpado? os Direitos Dos Manos? Epa! errei! Os Direitos Humanos? ou seria Direitos para os Humanos? continuar lendo