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16 de Abril de 2024

Liderança assassinada em Rondônia havia denunciado ameaças à PM no ano passado

Grileiro da terra ocupada admite contratar PMs fora de serviço para fazer a segurança de "sua" fazenda.

Publicado por Cleide Azevedo
há 8 anos

Por Rute Pina, em 24/09/2016

Edilene Mateus Porto e seu marido, Isaque Dias Ferreira, assassinados no último dia 13 / Arquivo pessoal

Em janeiro de 2015, Edilene Mateus Porto, de 32 anos, registrou um boletim de ocorrência informando a Polícia Militar que havia policiais armados rodeando o Acampamento 10 de Maio, onde morava com seu marido, Isaque Dias Ferreira, de 34 anos. O local fica em Alto Paraíso (RO), a 211 km de Porto Velho (RO). Um ano e nove meses depois, em 13 de setembro deste ano, as duas lideranças camponesas foram assassinadas.

Liderana assassinada em Rondnia havia denunciado ameaas PM no ano passado

Documento na íntegra pode ser acessado aqui

Ela e foram mortos na terça-feira passada, 13 de setembro. Ambos eram membros da Liga dos Camponeses Pobres de Rondônia e da Amazônia Ocidental (LCP). O crime ocorreu por volta das 8h, próximo ao lote da família.

Maria Petronila, coordenadora regional da Comissão Pastoral da Terra em Rondônia (CPT-RO), conta que Isaque e Edilene participavam com frequência das audiências da Comissão Nacional de Combate a Violência no Campo e na Cidade, vinculada à Ouvidoria Agrária. Nas reuniões, o casal denunciava, além da grilagem de terras públicas na região, ameaças e perseguições recorrentes.

Com o assassinato do casal, já são quatro membros do Acampamento 10 de maio assassinados apenas neste ano. Em 24 de abril, os irmãos Nivaldo Batista Cordeiro e Jesser Batista Cordeiro foram mortos quando saiam de moto do local.

PMs são contratados como jagunços

Os policiais, citados no B. O registrado por Edilene, faziam a segurança particular em nome do pretenso proprietário da Fazenda Formosa, Caubi Moreira Quito. Ele próprio confirmou a informação de que contratou policiais para fazer o trabalho de vigilância da área em depoimento à Polícia Civil.

Quito reclama posse do imóvel rural que está em uma terra da União que foi destinada à Reforma Agrária em 1995 (e onde nenhum assentamento ainda foi efetivado). O Ministério Público Federal (MPF) conseguiu suspender duas liminares de reintegração de posse na área favoráveis ao pretenso proprietário.

O procurador da República em Rondônia, Raphael Bevilaqua, afirma que Quito, a quem ele se refere como "grileiro", já estava ciente do processo de desapropriação pela União quando adquiriu o terreno —inclusive já havia uma emissão de posse para União averbada em cartório. "Ele reconhece que a terra é da União e solicita, inclusive, indenização por benfeitorias", afirmou.

Liderana assassinada em Rondnia havia denunciado ameaas PM no ano passado

Documento com o depoimento de Quito pode ser acessado na íntegra aqui

O delegado Mário Jorge informou que a Delegacia Agrária encaminhou à Corregedoria da Polícia Militar a denúncia sobre as atividades externas dos agentes e disse que o órgão deve tomar providências.

O MPF também pediu investigação à Polícia Civil, à Corregedoria e a outros órgãos de Segurança Pública, mas, segundo Bevilaqua, ainda não obteve resposta. "É possível associar, indiretamente, a omissão e até a atuação do Estado com o que está acontecendo no Acampamento 10 de maio. O Estado acaba compactuando com a ação destes agentes públicos que atuam, em nome do estado, junto à segurança privada", ponderou.

Ele lembra que o estado de Rondônia ainda não tem programa de proteção às vítimas e às testemunhas de violência nem aos defensores dos direitos humanos. "Além disso, o programa federal hoje está sendo desmantelado após a transformação que teve com a mudança de governo", disse.

Atualmente, o programa está sob comando do Ministério da Justiça, chefiado por Alexandre de Moraes, ex-secretário de Segurança Pública de São Paulo.

Mortes anunciadas

Para Petronila, os assassinatos não são coincidências. Ela menciona a existência de uma lista de ameaçados na região do Vale do Jamari, que teria sido deixada dentro da área do acampamento com nomes de integrantes da LCP a serem executados.

:: Leia mais: Em Rondônia, as ameaças de morte não costumam ficar na promessa

"Eles não são as primeiras vítimas, já houve outros assassinatos. Das 10 pessoas da lista, oito já foram mortos" , disse. "Acredita-se muito que exista uma milícia armada na região com envolvimentos de policiais, que prestam serviços a fazendeiros", completou.

Histórico de violência

No ano de 2015, Rondônia despontou no cenário nacional como o estado com o maior número de mortes em conflitos no campo no país. Foram 21 pessoas assassinadas, o número mais elevado de assassinatos de camponeses e sem-terra já registrado no estado desde 1985, quando a CPT começou a divulgar os registros destes fatos. Desde janeiro, 47 pessoas foram assassinadas no campo em todo o Brasil, 16 são de Rondônia, 30% do total.

"Após um ano, os inquéritos destes casos de assassinatos em Rondônia não são finalizados ou, se são finalizados, os culpados não aparecem e ninguém é punido", criticou a coordenadora do CPT-RO. O único caso encerrado em 2015 foi o ocorrido na Fazenda Tucumã, município de Cujubim (RO), onde dois jovens sem-terra foram mortos. Dois policiais militares envolvidos estão presos pelo crime.

Segundo o delegado Mário Jorge, as mortes no campo são mais difíceis de se investigar, mas o andamento tem se dado da "melhor forma possível".

"Um deslocamento no campo é muito longo. Anda-se de 50 a 100 quilômetros só para chegar em um acampamento. Nós não temos quantidade suficientes de policiais. Rondônia hoje tem um déficit de agentes e delegados muito grande. Isso torna muitas investigações demoradas. Não posso negar que falta gente para investigar. É um problema para a Polícia Civil e para o estado, que não contrata", disse o delegado.

Reforma agrária

Segundo Petrolina, a Ouvidoria Agrária tenta apaziguar os conflitos mais graves na região. "Temos questionado a postura da autarquia do Incra. Dentro destes conflitos, onde a área é pública, o Incra não faz uma ação de desapropriação, mas tenta resolver o problema a partir de acordo, mas o acordo não é paritário", disse.

:: Leia mais: Mortes no campo aumentaram 39% em 2015, segundo CPT

Para Belivaqua, o maior índice de violência no campo deve-se à situação de instabilidade fundiária e à irregularidade de títulos. "Muita gente lucra com essa instabilidade, porque especula com esses títulos ou falsos ou que já caducaram".

Ele conecta o aumento dos assassinatos de camponeses em Rondônia com a crise econômica. "Enquanto o governo estava com saúde financeira e eles estavam obtendo essas indenizações, não estava tendo tanto conflito. Mas, em 2015, quando estoura a crise econômica, é a época em que Rondônia passa a ser o maior foco de conflitos do país", denunciou.

Edição: Camila Rodrigues da Silva

Fonte: Brasil de Fato

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2 Comentários

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O famoso "dar de ombros" da justiça brasileira fazendo mais uma vitima... continuar lendo

É isso. Assassinatos. Impunidade!!! E este governo golpista que legitima este tipo de ação.!!!!
Fora Temer e seus mais de 40 ladrões!!! continuar lendo