Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
18 de Abril de 2024

Meias verdades sobre a crise e o Brasil

No pós-impeachment do sufrágio universal, a sociedade não cabe no orçamento, dizem os socialites.

Publicado por Cleide Azevedo
há 8 anos

Meias verdades sobre a crise e o Brasil


Por Luiz Gonzada Belluzzo e Gabriel Galípodo / 25/05/2016

Em seus Diários da Presidência, FHC registra o que chama de “reflexão ultrassecreta”, dez dias antes de se reeleger, em 1998, no primeiro turno, com 53% dos votos: “Há um ponto que os críticos não pegaram, só um ou outro economista percebeu. Tudo isso que digo, déficit fiscal e tudo mais, é um pouco meia verdade. Não que não exista déficit a ser combatido, mas a questão que nunca foi posta (pelo governo) é a cambial. É a questão central”.


Em sua concepção essencial, o Plano Real seguiu o método básico utilizado para dar fim à maioria das “grandes inflações” do século XX: recuperação da confiança na moeda nacional, por meio da garantia de seu valor externo.

A “âncora” foi, como é amplamente reconhecido, a estabilização da taxa de câmbio nominal, garantida por um montante de reservas capaz de assegurar a confiança na moeda nacional, leia-se, dos agentes controladores da riqueza.

A obtenção de condições duradouras para a estabilidade pressupunha, especialmente, o retorno dos fluxos de investimento e do crédito externos, afastados pela crise da dívida, que assolou os países de moeda não conversível, vitimados pelo famoso choque de juros de outubro de 1979, do senhor Paul Volcker.

As ideias que fundamentaram o plano redentor (Real) já haviam sido experimentadas em outros tempos e lugares, mas mesmo aqueles identificados como autores intelectuais de sua versão tropical reconheciam, quase dez anos antes de sua implantação, a dependência de condições externas favoráveis:

“Em várias ocasiões na história, um requisito fundamental para o sucesso das reformas monetárias tem sido o influxo de capitais externos e a acumulação resultante de reservas que permitiram ao país provar sua capacidade de fixar a taxa de câmbio. Tal base, contudo, não é factível no caso brasileiro: o fluxo de capitais externos necessário não se dirigirá para o país mais endividado do mundo” (Pérsio Arida & André Lara Resende, 1984).

Para o senso comum, no entanto, os louros da estabilização monetária repousam sobre a cabeça do professor Cardoso. Eventuais lacunas técnicas foram sobrepujadas pelo retorno do financiamento externo e, consequentemente, o crescimento das reservas cambiais.

A deflação dos mercados globalizados no início dos anos 90 permitiu a volta dos fluxos de capitais a partir de 1992. A liquidez das economias centrais transborda e atinge os países periféricos, permitindo a reversão da situação. Dinheiro caçando rendimentos.

Após ocupar o Ministério da Fazenda, FHC é alçado à Presidência, graças ao sucesso do plano de estabilização. Ao longo de seu mandato, os receios quanto aos efeitos perversos da sobrevalorização da moeda se materializaram. Apesar de os alertas se multiplicarem, os economistas do seu governo contrários à política cambial foram sistematicamente afastados, em benefício daqueles com discurso mais conveniente.

Meias verdades sobre a crise e o Brasil


No Natal de 1994, foi publicado na Folha de S. Paulo o artigo intitulado “Os riscos da valorização cambial”:

“A problemática sobrevalorização cambial não parece ser um “erro de pilotagem”, nem um subproduto indesejado da política de estabilização. Trata-se, aparentemente, de uma peça central do programa do governo... Essas circunstâncias colocam o programa de estabilização brasileiro em dependência muito estreita da disponibilidade abundante de financiamento externo. Ora, os fluxos financeiros que abastecem nosso balanço de capitais são extremamente voláteis... Uma valorização duradoura acaba levando à perda de posições conquistadas nos mercados do exterior e à desarticulação dos setores que competem com importações, suscitando enormes dificuldades para o posterior ajustamento da economia”. (Luiz Gonzaga Belluzzo & Paulo Nogueira Batista)

Durante seus dois mandatos e ainda hoje, o discurso dominante denunciava a fragilidade fiscal, decorrente dos gastos excessivos do governo com a seguridade social.

Os superávits primários do setor público de 1998 a 2013 não foram capazes de impedir o salto da dívida bruta do setor público do patamar de 40% do PIB em 1998 para aproximadamente 58% em 2003. O mesmo patamar é apresentado em 2014, elevando-se para 66,5% do PIB até 2015.

Nesses dois anos, o déficit primário acumulado foi de 143,7 bilhões de reais, enquanto o crescimento da dívida bruta foi de 675 bilhões. Essa dinâmica é indecifrável sem a análise das despesas com juros da dívida pública, que saltam de 32,2 bilhões em 1994 para o mais de 502 bilhões em 2015.

A ostentação, pelo Brasil, das taxas reais de juros mais elevadas do mundo durante quase todo esse período está associada à inserção internacional de nossa economia. Em 1994, a forte valorização cambial reduziu a inflação mensal para a casa de 1%, porém ampliou o componente que correlaciona a formação da taxa de juros com a expectativa de desvalorização do câmbio.

Assim, as taxas reais não podem ser reduzidas abaixo de determinados limites exigidos pelos investidores para adquirir e manter em carteira um ativo denominado em moeda fraca.

Em cumplicidade com o câmbio sobrevalorizado, a indústria e a industriosidade vergaram ao peso dos juros elevados. A eutanásia do empreendedor foi perpetrada pelos esculápios do rentismo.

Agora, na posteridade do impeachment do sufrágio universal, as meias verdades afirmam que a sociedade não cabe no orçamento. Isso enquanto os socialites repousam sua riqueza nos paraísos fiscais e os “juristas” fazem a festa.

Fonte: Carta Capital

  • Publicações532
  • Seguidores44
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações170
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/meias-verdades-sobre-a-crise-e-o-brasil/351056054

1 Comentário

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)

A crise do Brasil começou mais precisamente no ano de 1500. Desde lá sempre, sempre, houve um gravíssimo problema cultural. Governantes só governam pra si e a sociedade (na maior parte) se vende por pouco ... migalhas pra muitos, luxúria pra poucos e poderosos.

Não tem essa de esquerda, de direita, de centro, sempre ser político foi status.

Como todo ciclo econômico é normal que haja um sobe e desce, o que não é normal é isso ser agravado pelos políticos. Em um país sério estes lutam para encontrar saídas que melhorem a economia do país, fortaleça a moeda e gere empregos.

Nas republiquetas os ministérios são cabides de emprego, os políticos ostentam às custas do trabalhador ... ora se dizem progressistas, ora liberais, ora comunistas, mas todos fazem farra com dinheiro público ... foi assim com Sarney o coronel, Collor o presidente mauricinho, com Itamar o topetudo, FHC o privatizador, com Lula o hipócrita que se diz do povão, e com Dilma a viajante. Todos ostentaram. Temer está sendo mais vigiado do que os outros foram, só por isso está mais light.

Na crise atual, o grande problema do PT foi usar a máquina estatal para comprar votos do povão comprometendo o orçamento sem arrecadar o suficiente, pois não ia de encontro aos interesses da verdadeira elite (os Odebrecht's da vida e não a classe média) ... dava-se a esmola (quanto mais dependentes do governo forem melhor) e em troca nadavam em rios de dinheiro, muitos escondidos em paraísos ficais ou em países simpatizantes de sua postura política e que nunca farão auditorias fiscais ... manda dinheiro pra Cuba e pede pro Fidel passar um extrato pra ver se ele dá. O PT nos afundou mais por ter estado mais tempo no poder e pela sua posição política populista e neocomunista. Lembrem-se que muitos petistas, inclusive fundadores, pularam fora do partido pela desvirtuações de ideologias comandadas por Lula e seus seguidores que se apropriaram da agremiação.

O grave problema brasileiro está na educação de base, sempre sofrendo corte dos governos ... é melhor dar cotas do que investir na base, pois satisfaz a necessidade e desejo de consumo imediato daqueles que votam (por que vocês acham que aos 16 - idade pré-universitária - vota-se?). A educação começou a decair desde o fim dos anos 70 e seus efeitos surgiram na 2ª metade dos anos 80, com o início das greves.

Os anos 90 e início de 2000 era greve todo ano, seja no ensino municipal, estadual ou federal. Por isso nosso eleitorado só faz ***. Basta ver que a maior parte do CN responde a processos por corrupção, não importando o partido. Se formos para a política estadual e principalmente municipal, aí a desgraça come solta.

Todos os governos tiveram a chance de fazer história, especialmente Collor por ter sido o primeiro eleito pelo voto direto pós regime militar ... mas todos sucumbiram à corrupção. Os efeitos da atual crise ainda vão ser sentidos por anos, não vai ser o próximo presidente que nos salvará. continuar lendo