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26 de Abril de 2024

Pesquisa revela que juízes e promotores legitimam violência nas audiências de custódia

Iniciativa importante para coibir os abusos da polícia e prisões desnecessárias, estudo da Conectas mostra que o sistema de Justiça está avalizando a violência policial

Publicado por Cleide Azevedo
há 7 anos

Por Luciano Velleda, BRA

Pesquisa revela que juzes e promotores legitimam violncia nas audincias de custdia

Audiências de custódia em São Paulo completam dois anos sem coibir a violência policial (Foto: Arquivo/CNJ)

São Paulo – Estudo divulgado nessa terça-feira (21) pela organização Conectas Direitos Humanos revela que magistrados, promotores e até defensores públicos naturalizam a violência policial durante as audiências de custódia pelo país. Implementada no Brasil em fevereiro de 2015 – inicialmente em São Paulo –, a audiência é um importante avanço no sistema de Justiça, ao estabelecer que a pessoa presa em flagrante seja apresentada ao juiz em até 24 horas. A ideia é que o magistrado decida se o acusado deve seguir preso, se poderá responder o processo em liberdade, ou ainda ter sua prisão relaxada, caso o juiz considere o flagrante ilegal.

O procedimento também visa permitir que juízes, promotores e defensores públicos avaliem a ocorrência de maus tratos ou tortura durante a prisão em flagrante e, se for o caso, instaure investigação criminal ou administrativa contra o agente acusado.

Segundo a pesquisa intitulada "Tortura Blindada – Como as instituições do sistema de Justiça perpetuam a violência nas audiências de custódia", o Ministério Público não intervém em 80% dos casos em que há relato de violência, apesar de ter a atribuição constitucional de fiscalizar as polícias. No restante 20% dos casos em que os promotores se manifestaram, em 60% deles a intervenção visou deslegitimar o relato do acusado e somente em 20% a intenção foi apurar os fatos.

"É impressionante o Ministério Público não perguntar sobre tortura em 80% dos casos. Isso significa que o promotor se omite de cumprir sua obrigação de controlar a polícia" , afirmou Rafael Custódio, coordenador do Programa de Justiça da Conectas, durante a apresentação da pesquisa, no Memorial da Resistência, na capital paulista. "Essa constatação traz para todos nós as questões: o que é o Ministério Público? É esse o Ministério Público que queremos? Que tipo de sistema de Justiça nós teremos com essa atuação?"

Para Débora Duprat, procuradora do Ministério Público Federal (MPF), a instituição foi concebida na Constituição Federal para ser a "grande defensora dos direitos humanos". Entretanto, a realidade tem demonstrado o contrário. "O Ministério Público não pode se livrar da perspectiva dos direitos humanos, mas isso se perdeu ao longo do tempo e a instituição naturaliza a violência policial e fecha os olhos para os direitos humanos", afirmou.

A pesquisa analisou 393 casos, ocorridos entre julho e novembro de 2015, em que houve sinais de torturas ou maus-tratos contra o indivíduo entre o flagrante da prisão e a audiência de custódia. A análise revela que, se entre os promotores 80% não questionam quando o acusado fala em tortura, esse dado é melhor entre os juízes: 75% deles intervém quando há relato de violência e 25% se calam. Porém, quando o preso não aborda espontaneamente o tema, em 33% dos casos os juízes também não perguntam se houve violência.

Já entre os defensores públicos 51% se manifestam quando o preso cita ter sofrido violência e 49% não. No caso dos defensores, a pesquisa constatou que é na entrevista prévia antes da audiência que o preso costuma contar o que houve, apesar dessa conversa acontecer no corredor e na presença de um policial. A pesquisa identificou ainda que a Defensoria foi a única instituição que tentou trazer novos elementos para o processo, como o questionamento por testemunhas, o interesse em câmeras de vídeo na rua e no GPS da viatura policial.

Para Rafael Custódio, as consequências quase nulas da audiência de custódia no que se refere à tortura e maus-tratos do preso, tem feito o temor dos policiais desaparecer ao perceber que a audiência está avalizando a violência das ruas.

A inversão dos objetivos

Presente na apresentação da pesquisa, Bruno Paes Manso, jornalista e pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), refletiu sobre a rápida assimilação e incorporação das audiências de custódia pela engrenagem do encarceramento em massa, sendo que o objetivo inicial era justamente coibir os excessos. "Fiquei muito assustado com a eficiência e a naturalidade com que isso foi feito", afirmou.

Para ele, um dos méritos da pesquisa é mostrar o papel do Judiciário e do Ministério Público na engrenagem do aprisionamento em massa. O pesquisador ponderou que, em outras épocas, a tortura era usada como instrumento de investigação e hoje é para a confissão do suspeito. Bruno Manso também enfatizou a "fé pública" do depoimento do policial, que costuma ser o único elemento para condenar o acusado. "É uma engrenagem respaldada pela ideia de que para viver num mundo mais seguro, é preciso encarcerar certa parcela da população", disse, acrescentando que a sociedade, por se sentir vulnerável, quer mais desse "remédio veneno" sem perceber que é esse remédio que pode matar.

"Vivemos o desafio de tentar mostrar como a salvação baseada no sistema Judiciário e na polícia repressiva vem dando errado. Já temos elementos suficientes para mostrar que não está dando certo, não só elementos conceituais, mas empíricos", afirmou.

Consequências

A pesquisa "Tortura Blindada – Como as instituições do sistema de Justiça perpetuam a violência nas audiências de custódia" foi divulgada na mesma semana em que as audiências de custódia completam dois anos em São Paulo. Advogada da Conectas, Vivian Calderoni fez questão de salientar o apoio da organização às audiências de custódia e disse que a pesquisa busca trazer elementos para aperfeiçoa-la. "Nosso intuito é provocar uma mudança real e concreta", afirmou.

Segundo a Conectas, diante da conclusão de que os operadores do sistema de Justiça não cumprem as normas e disposições nacionais e internacionais de prevenção e combate à tortura e maus-tratos, a organização interpôs representações à Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo, à Procuradoria Geral de Justiça e ao Conselho Superior da Defensoria Pública, com o objetivo de "demandar a apuração das condutas evidenciadas pela pesquisa e a criação de protocolos que garantam a efetividade desse instrumento no combate à violência policial".

Fonte: RBA

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